Vida mescla silício e carbono pela primeira vez
Redação do Site Inovação Tecnológica - 29/11/2016
Impressão artística de uma forma de vida baseada em silício, em vez do carbono que estrutura a vida na Terra. [Imagem: Lei Chen/Yan Liang/Caltech]
Ligações carbono-silício
Biólogos e químicos conseguiram pela primeira vez fazer com que um organismo vivo realize ligações carbono-silício, algo até hoje só realizado por processos sintéticos.
É um mistério por quê o silício, o segundo elemento mais abundante da Terra, depois do oxigênio, não é utilizado pelos seres vivos.
Afinal, o carbono e o silício são quimicamente muito semelhantes: Ambos podem formar ligações com quatro átomos simultaneamente, o que é bastante adequado para formar as longas cadeias de moléculas encontradas nos seres vivos, como nas proteínas e no DNA.
Os cientistas há muito se perguntam se a vida na Terra poderia ter evoluído com base no silício em vez do carbono e, mais recentemente, os astrobiólogos levantaram a possibilidade de isso ocorrer em exoplanetas. Os autores de ficção científica, claro, já imaginaram mundos alienígenas com vida baseada em silício, como as criaturas Horta retratadas em um episódio da série Jornada nas Estrelas.
Sek Bik Kan e seus colegas da Universidade de Tecnologia da Califórnia trouxeram agora tudo isto para a realidade, demonstrando que a natureza pode ser convencida, com um pequeno auxílio da biologia sintética, a incorporar o silício em suas moléculas baseadas em carbono, que são os blocos fundamentais de construção da vida, formando ligações C-Si.
Sek Bik Jennifer Kan conseguiu pela primeira vez convencer um organismo vivo a incorporar silício em sua estrutura. [Imagem: Caltech]
Medicamentos e outras formas de vida
Além de ajudar a procurar formas de vida como não conhecemos, ou mesclar o silício nas formas de vida que conhecemos, para ver no que isso pode dar, a técnica deverá ter um impacto direto e substancial no setor industrial, da fabricação de LEDs e componentes eletrônicos até a sintetização de novos fármacos.
Compostos com moléculas silício-carbono - organossilício ou organossilicatos - são largamente utilizados em produtos farmacêuticos, defensivos agrícolas, tintas, semicondutores e telas de computador e TV. Sobretudo a área de medicamentos pode ter um grande impulso com a possibilidade de sintetizar compostos ativos à base de silício que possam ser usados pelas rotas metabólicas dos seres humanos.
Uma vez que as ligações silício-carbono não são encontradas na natureza, estes produtos são hoje fabricados sinteticamente. E o processo sintético para fazer ligações silício-carbono normalmente usa catalisadores de metais preciosos e solventes tóxicos, e requer processamentos extras para remover subprodutos indesejáveis, tudo contribuindo para aumentar o custo de produção desses compostos.
"Nosso catalisador à base de ferro e geneticamente codificado é barato, não-tóxico e fácil de ser modificado em comparação com outros catalisadores usados na síntese química. A nova reação também pode ser feita a temperatura ambiente e em água," contou Sek Bik.
Estrutura da proteína citocromo-c, do microrganismo Rhodothermus marinus, mostrando um átomo de ferro (vermelho) no centro. Os pesquisadores induziram mutações nas enzimas (rosa) para melhorar a capacidade da proteína em formar ligações carbono-silício. [Imagem: Frances Arnold Lab/Caltech]
Evolução dirigida
Os pesquisadores usaram um método chamado de evolução dirigida, no qual enzimas são criadas em laboratório por seleção artificial, de forma similar à utilizada para desenvolver melhores cultivares ou aprimorar raças de animais de criação. As enzimas são uma classe de proteínas que catalisam, ou facilitam, reações químicas.
O processo de evolução dirigida começa com a enzima que se deseja aprimorar. O DNA que a codifica é mutado de forma mais ou menos aleatória, e as enzimas resultantes são testadas para avaliar a característica desejada. Aquela que atingir o melhor desempenho é então mutada novamente, e o processo é repetido até que uma enzima descendente consiga executar a tarefa com um ganho substancial em relação à enzima original.
Neste caso, Sek Bik queria convencer a proteína a fazer algo que ela nunca faria naturalmente. A melhor candidata encontrada foi uma proteína de uma bactéria que cresce nas fontes termais da Islândia. Essa proteína, chamada citocromo c, normalmente troca elétrons com outras proteínas, mas também é capaz de agir como uma enzima para criar ligações silício-carbono em baixo nível. Então, foi uma questão de usar a evolução dirigida, que permitiu obter a enzima otimizada depois de apenas três rodadas evolutivas.
A enzima "evoluída" é 15 vezes melhor do que o melhor catalisador inventado até hoje pelos químicos para fazer o mesmo trabalho. Além disso, ela é altamente seletiva, o que significa que ela produz menos subprodutos indesejados que precisem ser separados quimicamente.
Bibliografia:
Directed evolution of cytochrome c for carbon-silicon bond formation: Bringing silicon to life
Sek Bik Jennifer Kan, Russell D. Lewis, Kai Chen, Frances H. Arnold
Science
Vol.: 354, Issue 6315, pp. 1048-1051
DOI: 10.1126/science.aah6219
Directed evolution of cytochrome c for carbon-silicon bond formation: Bringing silicon to life
Sek Bik Jennifer Kan, Russell D. Lewis, Kai Chen, Frances H. Arnold
Science
Vol.: 354, Issue 6315, pp. 1048-1051
DOI: 10.1126/science.aah6219
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